UÇK

Kosovo, estrada rumo à Macedônia. 27 de julho de 2011. Monumento em homenagem a Ushtria Çlirimtare e Kosovës, a UÇK (em inglês, KLA). Diversos monumentos como esse estão espalhados por todo o país, em homenagem aos combatentes mortos durante a guerra do Kosovo. A organização paramilitar, extinta em 1999, é considerada terrorista pelas Nações Unidas. Porém, idolatrada pelos kosovares.

A cidade dividida

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Ao sul, a Albânia. Ao norte, a Sérvia. No meio, o Rio Ibar. Na ponte, a divisória sobre as águas, as forças da ONU, da KFOR (Kosovo Force, em inglês – as tropas da OTAN presentes no país) e as viaturas da polícia local.

Mitrovica é uma cidade dividida. Para nós, mochileiros-turistas-jornalistas, cruzar a ponte não é um problema. Porém, a tensão está no ar. Ao final da tarde, o barulho de rajadas de metralhadora assusta. Não aos locais.

Claro, para ambos os lados, não é aconselhável passar para o território oposto. “Vocês podem ir lá. Para nós, não vale a pena”, diz Liridon, pouco mais de 20 anos, um dos filhos de Bajram Jaha, que lutou ao lado da KLA (Kosovo Libertation Army, em inglês, ou UÇK, em albanês, modo como eles chamam as forças de libertação do país – em vários momentos, rotuladas de terroristas, mas isso é assunto para outro post).

Bajram, um sujeito simpático, dono de um Café, nos hospedou, por uma noite, em sua casa, no lado sul. Jeton, seu outro filho, 23 anos, também trabalha no estabelecimento, a exemplo do irmão. O filho mais velho vive na Alemanha. A família nos passou um pouco da realidade de Mitrovica.

A cidade foi dividida depois da Guerra do Kosovo, em 1999. Até hoje, é um símbolo da cizânia do país. E os dois lados fazem questão de explicitar as diferenças. Jelen e Peja. A bandeira vermelha, branca e azul X a bandeira vermelha e preta. A igreja ortodoxa e a mesquita. As placas dos carros. Até os DDDs são diferentes! Mitrovica são duas. Bem distintas. Opostas.

Gorazde

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Não fossem por circunstâncias salvadoras, Gorazde poderia ser lembrada hoje da mesma maneira que Srebrenica. Com pouco mais de 30 mil habitantes, a cidade fica às margens do Rio Drina, na parte oriental da Bósnia e Hezergovina.

Para os amantes dos quadrinhos, Gorazde é sinônimo de obra-prima. Em 2000, o jornalista e quadrinista maltês Joe Sacco lançou “Área de Segurança Gorazde – A Guerra na Bósnia Oriental – 1992-1995”, um enorme sucesso no universo das HQs.

O livro é, realmente, uma obra-prima. Por traços marcantes de seus desenhos, Sacco, uma das atrações da Flip deste ano, descreve os quatro meses que passou em Gorazde, em plena guerra civil, entre 1994 e 1995. Com sensibilidade, apresenta o olhar dos habitantes sobre a guerra, principalmente de Edin, que se tornaria um grande amigo. Os sonhos, o pessimismo, a esperança. Em resumo, leia!

Voltando à história de Gorazde durante a guerra… Em 1992, a cidade sofre um ataque surpresa das forças bósnio-sérvias, mas consegue resistir. No entanto, muitos muçulmanos que tentaram escapar foram mortos de forma terrível. No livro de Sacco, há relatos de massacres, à noite, nas pontes sobre o Drina. Os corpos eram jogados no rio!

Em 1994, Gorazde sofre um segundo ataque, com muito mais força, dessa vez sob o comando de Ratko Mladic. Novamente, os próprios habitantes defendem a cidade, à época já uma “área de segurança” da ONU, que nada faz.

Somente após os apelos do então presidente da Bósnia e Hezergovina, Alija Izetbegovic, e da maciça cobertura das grandes redes de TV internacionais, é que o mundo volta seus olhos para Gorazde. Uma ofensiva do exército norte-americano afasta as forças inimigas da cidade. Derrotado, Mladic foi para Srebrenica…

Gorazde ainda tem marcas da guerra, mas tenta olhar para o futuro, como todo o país. Conhecemos Dzenan, guia turístico (!), pouco mais de 25 anos. Seu sonho é conhecer o Brasil, que ele idolatra! Uma pequena cidade, com muitas histórias.

O túnel

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Um símbolo de resistência. Um trajeto de pouco mais de 800 m embaixo da terra ajudou toda uma cidade a sobreviver. Se não fosse pelo “Túnel da Esperança”, o cerco a Sarajevo, que durou quase quatro anos (5 de abril de 1992 a 29 de fevereiro de 1996), teria sido ainda mais terrível.

Sitiada pelas forças do exército de Slobodan Milosevic e Radovan Karadzic, a cidade teve de encontrar meios para sobreviver. A ONU, quando agiu, com o envio de alimentos para dentro da cidade, teve de aceitar um acordo com as forças bósnio-sérvias: 50 % de suprimentos para cada lado. Ou seja, a mesma parcela chegava tanto para mais de 300 mil habitantes quanto para o exército que sitiava a cidade, em número infinitamente menor. Belo acordo!

Ao menos, a ONU tinha o controle do Aeroporto Internacional de Sarajevo, única saída para território livre. O único meio possível para a entrada de alimentos, armas e munição. Em pouco mais de seis meses, sem equipamentos ou projeto de engenharia, já que não poderiam ser descobertos pelas forças inimigas, o túnel ficou pronto. A partir dia 30 de julho de 1994, Sarajevo tinha uma esperança.

Da garagem da casa da família Kotor, o túnel passava embaixo do aeroporto e trazia vida para Sarajevo (veja imagem aqui – o túnel está na parte direita superior, onde lê-se “Bosnian Free Territory”). Hoje, pouco mais de 20 metros de extensão ainda existe. Há um museu, administrado pela família, que conta a história desse símbolo de resistência. O local está a 12 km do centro de Sarajevo, mas vale a visita.

Srebrenica

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“Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.”

Poema de Natal – Vinicius de Moraes

Srebrenica, mais uma vez, lembra para ser lembrada, chora e faz chorar e, claro, enterra seus mortos. Em mais um 11 de julho, o pequeno vilarejo ao leste da Bósnia e Hezergovina parou para o 16º aniversário do maior genocídio em solo europeu depois do holocausto: 8 mil vítimas, entre homens e meninos.

“Don’t forget” e “Never Again”. A exemplo dos judeus, as famílias e os amigos das vítimas não querem mais o horror. Mas, há que se lembrar, sempre. As novas gerações têm de saber o que aconteceu em Srebrenica, em 1995.

Em 2011, 618 corpos foram enterrados na cerimônia no Memorial de Potocari. Todos os nomes foram anunciados nos alto-falantes, logo depois de discursos de autoridades presentes, homenagens e uma oração islâmica para lembrar das vítimas.

A prisão de Ratko Mladic, em maio deste ano, foi citada, claro. O general das forças bósnio-sérvias foi o comandante do massacre contra a população muçulmana de Srebrenica. Como um pequeno vilarejo, com gente simples, camponesa, pôde ter sofrido tamanha atrocidade?

As guerras são feitas por homens que se acham deuses, com seus planos mirabolantes e ideias loucas. Na prática, matam pessoas simples, que nada têm a ver com toda a loucura das mentes insanas. “Não importa quão necessária ou justificável seja uma guerra, ela será sempre um crime”, disse Hemingway.

Srebrenica enterrou seus mortos. Com choro, angústia, mas também esperança. Estampada nos sorrisos e beijos de meninos e meninas em suas mães. Nos abraços entre amigos, em reencontro em pleno Memorial, apinhado de gente.

Para muitas viúvas, o horror não terminou. Os corpos ainda não foram encontrados para serem enterrados. Um ritual que o homem cultiva desde a Pré-História. Escavações arqueológicas mostram que os homens do neolítico faziam rituais e cerimônias em homenagem aos mortos. Um rito de término, fechamento, necessário.

Até hoje, 5.137 corpos estão enterrados em Potocari. Ainda existem mais de 3.200 perdidos em algum local da região.

Não esqueceremos deste 11 de julho de 2011.

Jamais esqueceremos de Srebrenica.

A OTAN esteve aqui

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No primeiro passeio por Belgrado, há quase uma semana, passamos por esse prédio, no centro da cidade. A primeira reação foi: “Será???”. Sim, nos perguntávamos se era um resquício dos bombardeios da OTAN (Organização do Atlântico Norte – nunca entendi o nome. Um exército, talvez o mais poderoso do mundo, disfarçado de instituição diplomática ou coisa que o valha).

Sim, o edifício é uma prova do que a “Organização” fez na capital da Sérvia durante 78 dias, em 1999. De 24 de março a 10 de junho, a OTAN castigou Belgrado com bombas e mais bombas. Uma represália fora de hora e no alvo errado.

Durante a Guerra da Bósnia (1992-1995), líderes da Europa ocidental e dos Estados Unidos assistiram, passivos, ao massacre contra os civis, principalmente os bósnios muçulmanos. Os americanos chegaram a afirmar que “não, não eram a polícia do mundo”.

Depois, quando Slobodan Milosevic, o líder da Sérvia, com quem os americanos e europeus se sentaram e discutiram os acordos de paz de Dayton, Ohio, ao fim do conflito na Bósnia, mirou-se em Kosovo, o que fizeram a OTAN e os ilustres líderes ocidentais? Bombardearam Belgrado.

Resultado, como sempre acontece em “guerras cirúrgicas”: muitas mortes de civis e poucos alvos militares atingidos. O prédio em questão era, sim, do Ministério da Defesa da Sérvia. Mas, ao fim e ao cabo, o resultado foi a morte de, ao menos, 500 civis.

A “guerra cirúrgica” atingiu, entre outros locais, uma rede de TV, a embaixada da China, vários hospitais e o Hotel Iugoslávia. Para completar, ficou provado, depois do conflito, que as bombas usadas em Belgrado continham material radioativo proibido pela Organização das Nações Unidas. Bom, o Conselho de Segurança da ONU aprovou o bombardeio, então, faz sentido.

“Não importam os motivos da guerra, a PAZ ainda é mais importante”.